Eu, Sania Lúcia Camargos, nasci em Dores do Indaiá/MG em 22 de dezembro de 1962. Meu pai, sem escolaridade completa, foi um vendedor e viajante que se aventurou pelas estradas do Brasil afora. Minha mãe, uma mulher à frente do seu tempo, excelente costureira, casou-se aos 16 anos, apenas com o curso primário concluído. Teve quatro filhos, sendo eu a mais nova, e como sempre acreditou que adquirir conhecimento era o alicerce fundamental, terminou os estudos, na época Magistério (Normalista) que hoje corresponde ao Ensino Médio, em 1978. Essa dedicação e esforço, me serviu de referência para que eu pudesse trilhar caminhos que ela não teve a oportunidade, até porque ela dizia que investir em nossos estudos, seria a única herança que ela poderia nos deixar. E por ser uma ótima costureira, aprendi com ela a fazer tudo no capricho e a não deixar “pontas soltas” e o lado avesso da costura ou bordado, tão bem feito quanto o lado direito.
A minha formação profissional em Agronomia, se deu em 1985, pela Escola Superior de Agricultura de Lavras (ESAL), atual Universidade Federal de Lavras (UFLA/MG) e a opção por esse curso foi pelas origens da família, que eram pequenos produtores de gado de leite, no interior de Minas Gerais, em Serra da Saudade. Até então eu não preocupava em me especializar na profissão de Engenheira Agrônoma e sim conhecer todas as áreas de atuação e analisar minhas afinidades.
O caminho para o Mestrado foi sob a orientação da Professora Dra. Janice Guedes de Carvalho (in memoriam) cuja amizade, clareza, incentivo pessoal e profissional, estímulo, bondade e carinho, foram decisivos e me conduziram para a área de Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas a qual tive grande afinidade e admiração.
O Doutorado foi uma sequência natural na formação da carreira docente, o qual finalizei em 1990, no Centro de Energia Nuclear em Agricultura (CENA/USP), Piracicaba/SP, sob orientação do Professor Dr. Takashi Muraoka, cujo apoio, aceitação, amizade, compreensão e liberdade de escolha, foram a base da minha formação tanto pessoal como profissional.
A escolha pela área de Fertilidade do Solo e Nutrição de Plantas, e a chegada à docência, em 1990, na UFMT, não foram propósitos ou vocação, apenas segui meu coração e intuição e as oportunidades que se abriram a minha frente. Tudo foi construído ao longo da jornada à medida que fui caminhando, sempre pensando em lugares e pessoas que me ajudassem a ser uma pessoa melhor, mais humanizada e onde eu pudesse ajudar o maior número de pessoas. E Deus gentilmente colocou anjos de bondade no meu caminho, o qual sou grata pela oportunidade de vida e por Sua presença constante nessa trajetória.
A minha vinda para o MT, também se deu de forma inesperada e nada planejada. Ao terminar o curso de mestrado, andando pelos corredores do Departamento de Solos da UFLA, vi um anúncio do CNPq, sobre o programa de bolsas na modalidade Desenvolvimento Científico Regional (DCR) para a UFMT. Me inscrevi, sob orientação da professora Dra. Janice, já mencionada acima, fui selecionada e em 1990, cheguei em Cuiabá, com “a cara e a coragem” sem nem saber exatamente o que eu encontraria e faria. Com a sábia orientação da minha mãe, corri atrás do sim, pois o não eu já tinha e se eu não me adaptasse, teria para onde voltar. Mas qual não foi a minha surpresa pois adorei a sensação de ser uma estranha num lugar estranho. Além disso, encontrei ex-colegas e contemporâneos da UFLA, sendo um deles, o então já Professor Dr. Ivo Pereira de Camargo (in memoriam), que com sua amizade e jeito peculiar de ser, me acolheu em sua casa nos dias iniciais da minha chegada em Cuiabá e muito me auxiliou no trabalho de doutorado com ideias, informações, estímulo e fornecimento das mudas de castanheira do Brasil.
Na semana seguinte a minha chegada, o professor da disciplina de Fertilidade do Solo, Edésio Cardoso Carvalho, me convidou a substituí-lo na disciplina e aí tudo começou. Imaginem como isso se deu e como foi inicialmente assustador estar diante de uma sala cheia de alunos, com apenas uma mulher na turma. Mas já cheguei me posicionando e dizendo a que vim. Não havia me arrancado das Gerais à toa e não estava ali passando meu tempo. Sabia muito bem o que teria que fazer e o fiz da melhor maneira e com as ferramentas que eu tinha.
Em 1992, com a aposentadoria do referido professor da disciplina, abriram um concurso na área de solos e me candidatei. A banca do concurso foi constituída pelos professores da UFMT, Dr. Eduardo Guimarães Couto, Dr. Nilton Tocicazu Higa e o Dr. Mauro Resende, da UFV/MG. Ao prof. Dr. Eduardo, agradeço imensamente pela amizade, o olhar isento, atenção, pelo apoio e por tornar o ambiente de trabalho agradável, e isso contribuiu para que eu pudesse vencer mais essa etapa.
Especificamente sobre o concurso, gosto sempre de mencionar que quando algo está “escrito nas estrelas”, todo o universo conspira a favor e acontece o que tem que acontecer. Para a prova escrita, foi sorteado um ponto, dentre 10 temas na área de Solos, não apenas na minha área de formação e o tema sorteado foi “pH e a disponibilidade de nutrientes”, e não tinha como não ir bem, já que era um ponto bem específico da área de Fertilidade. Já para a prova didática, o tema foi sobre a “Relação solo-planta-atmosfera” e eu tinha 24 horas para preparar e 50 minutos para apresentar. Assim, como muitas coisas na vida “quando não tiver vento, tem que remar” e embora com um tema tão amplo para abordar em tão pouco tempo, a imaginação, a improvisação, a a flexibilidade, a atitude e a criatividade foram minhas grandes aliadas.
Dessa forma, em outubro de 1992, fui efetivada e hoje sou professora Associada, nível IV. Embora eu possua todos os requisitos e vagas disponíveis para concorrer a nível de Titular, optei por não fazer, pois a essa altura da minha vida, não fará sentido, pois construí minha carreira não por cargos, títulos e dinheiro, embora sejam importantes, são também passageiros, efêmeros e temporários tal qual a vida é. Meu intuito sempre foi deixar esse mundo melhor, não só para mim, mas todos que estiveram e estão a minha volta. Para mim vencer não é o mais importante e sim, cuidar do que foi conquistado com amor, generosidade, alegria e respeito. E “trabalhar é imitar a Deus com as mãos, criando”. E tal como Deus, devemos amar nossas criações e deixá-las livres. Assim, o que sempre me motivou foi o amor ao trabalho e não pelo trabalho em si, mas pelo que nos transformamos através dele. É pela presença do SER. Da essência. Do estar e não do ter. Da felicidade e paz em atingir o equilíbrio entre ser profissional e ser humano.
Durante o doutorado, tive dois filhos e hoje, tenho três, sendo o último nascido quando eu tinha 41 anos e foi através dos filhos que eu aprendi a ser docente, e descobri que meu maior prazer é compartilhar e ajudar a formar recursos humanos, capazes de produzir, criar, contribuir grandemente pelo desenvolvimento do agro não só no Estado de Mato Grosso e no Brasil, mas pelo mundo afora.
Certamente não foi fácil chegar até aqui, mas tudo que fiz, foi com esse olhar e esse ritmo de trabalho tanto nos cargos administrativos que ocupei (coordenadora de Pós-graduação em Agricultura Tropical da FAAZ/UFMT, de 2000 a 2002 e, Coordenadora de Pesquisa e dos Programas de Iniciação Cientifica (PIBIC e VIC) da Propeq/UFMT, de 2004 a 2008), nas parcerias que fiz com empresas do setor privado, dentre elas a Bunge Fertilizantes, atual Yara Brasil, e através das quais muitos alunos foram inseridos no mercado de trabalho. Além disso, foram inúmeras orientações na iniciação cientifica, em trabalhos e relatórios de final de curso, em cursos de especialização e no mestrado. E em tudo isso, o mais importante não foi o trabalho em si, mas as pessoas envolvidas, pois “cada ser carrega o dom de ser capaz de ser feliz” e carrega também a centelha Divina, o que nos torna todos fraternos e irmãos nessa grande e extraordinária jornada.
Juntamente com “os meninos” que ainda cursavam Ciências da Computação na UFMT, mas já tinham a empresa Sydy Tecnologia, Adrian, Alexandre, Igor e Sidnei e o nosso ex-aluno da agronomia e hoje Engenheiro Agrônomo, Sávio Henrique de Almeida Sardinha, em 2016, lançamos o aplicativo Solum, o qual realiza a interpretação de resultados de análises de solos do Cerrado, com base na metodologia de análises da Embrapa Cerrados e as tabelas de interpretação contidas no livro: Cerrado - correção do solo e adubação; cujos editores são Sousa, D.M.G de e Lobato, E. (2004). Esse foi um trabalho que teve um significado muito especial para mim, em muitos sentidos. Através dele consegui realizar algo prático, simples, intuitivo e de fácil acesso para estudantes, agrônomos e produtores e de forma gratuita. A parceria com esses jovens empreendedores e inovadores foi inusitada e até mesmo mágica pela maneira que tudo aconteceu. E o aplicativo me “salvou”, pois eu temia não fazer algo que desse algum retorno a sociedade que tanto investe nas escolas públicas. Era minha vez de fazer algo relevante. Além disso, pude me aproximar do Engenheiro Agrônomo e mestre Djalma (in memoriam), o qual teve uma importância muito grande na minha formação e aprendi muito através de várias conversas e trocas de informações e ele com seu jeito simples, disponível e acessível sempre me encantaram. O aplicativo foi também uma maneira de divulgar e reconhecer todo seu trabalho pioneiro no Cerrado, pois muitos aqui no MT ainda utilizam as tabelas de interpretação e recomendação de outros estados.
Com esse perfil de encarar de frente qualquer desafio, em 2018, fiz parte da comissão organizadora do TEDx UFMT: catalises (https://www.ted.com/tedx/events/25126), juntamente com uma galera super incrível. Eu mal cabia em mim de tanta alegria e emoção por estar num evento mundial, assistido por milhões de pessoas. Gratidão imensa a todos em nome do Engenheiro Florestal Lucas Bernardino.
Me sinto honrada e tenho muito orgulho de participar do Rally da Safra, através da parceria com outro ex-aluno, o Engenheiro Agrônomo Pablo Reveles que trabalhava na empresa Agroconsult, e que possibilitou a participação desde 2017, de muitos alunos do Curso de Agronomia da UFMT em um dos maiores eventos do agronegócio brasileiro.
E por último, e mais recente, outra parceria foi firmada com o estudante de agronomia, o Bruno Moraes, e assim estou realizando mais um projeto que é a construção do site, Disque NPK, onde disponibilizo todo meu material didático e muitos outros relacionados, pois acredito que o melhor da vida é compartilhar e mais ainda partilhar conhecimento, que é a grande ferramenta capaz de transformar a vida das pessoas, de ampliar horizontes, ir além, gerar senso crítico e assim dar poder de escolha e criar inúmeras perspectivas.
Finalizo esse memorial, com um sentimento de gratidão imensa por ter tido a oportunidade e o privilégio de chegar até aqui e pelas oportunidades de trabalho, conquistas, sucesso, aprendizado e evolução que se abriram e ainda se abrem diante de mim diariamente. Tenho e sou um universo de possibilidades.
Gratidão à Deus que existe dentro de mim, sou parte de sua Divindade e por isso espalho luz, paz e amor onde quer que eu esteja. E assim sendo, através dessa vivência, experiência e maturidade, sei o que ensino e mostro rumos novos de harmonia, empatia, felicidade e paz.
Gratidão a essa profissão que me permite participar das conquistas, do sucesso e da evolução de pessoas incríveis e com isso, “hoje não sou só eu, sou eu e mais um monte de gente”.
Gratidão a todos, que me inspiram, me permitem crescer, evoluir, aprender, me transformar na melhor versão de mim mesma, me trazem alegria e são essenciais a minha existência. Gratidão por vocês serem quem são e estarem aqui para mim. Agradeço também por me permitirem estar presente em suas vidas, e isso faz com que eu fique eternizada em suas memórias, assim como vocês também ficarão nas minhas melhores lembranças. Certamente que é isso que deixaremos e/ou levaremos daqui: as palavras gentis, a bondade e a maneira como tratamos as pessoas.
Finalizo entoando o mantra Lokah Samastah que diz: “Que todos os seres sejam felizes e livres e que meus pensamentos, palavras e atos contribuam de algum modo para a felicidade, a paz e a liberdade de todos os seres”.
Dedico...
À memória de meu pai, José Costa Camargos.
À minha mãe, Maria Vitória, por ter me ensinado a lutar com integridade, dignidade, honestidade, simplicidade, bondade e pela liberdade de escolher meu próprio caminho e traçar minhas rotas, dando-me estrutura para tudo que sou e acredito.
Aos meus filhos, Mateus, Júlia e Enzo, que são minha fonte de aprendizado constante, meu vasto campo de experiências, por me concederem tanta alegria e, principalmente por tantas horas roubadas do nosso convívio. A vocês apresento meu compromisso de vida.
“E a todos aqueles que sonham dar o melhor de si para ver seu trabalho atingir sua essência e seus frutos, contando para isso, com a cumplicidade de Deus.”
“Que fique sempre, em algum lugar, o fruto de nossa bondade!!”